A presente obra aborda a tentativa da transformação ontológica do pescador artesanal em piscicultor, por meio do estímulo e mitigação à implantação de parques aquícolas como medida de compensação social a pescadores artesanais cujo local de moradia e trabalho foram afetados pela construção e/implantação de Usinas Hidrelétricas, destacando a Usina Hidrelétrica de Tucuruí e o Parque Aquícola Breu Branco III. Tratam-se de projetos estatais altamente entrópicos que tem por subsídios os processos apropriacionismo e substitucionismo dos recursos pesqueiros (GOODMAN et al., 1990), assegurados no ordenamento pesqueiro brasileiro, por meio de uma legislação que aloca pesca e aquicultura lado a lado, invisibilizando saberes, práticas e sujeitos que compõe essa complexa atividade, sendo a atividade da pesca considerada setorial.
Destacamos que as populações autóctones que realizava a pesca na área do lago, adaptaram-se ao novo contexto ecológico construído após a implantação da Usina hidrelétrica e passaram a extrair o pescado por meio de outra técnica de pesca, a pesca no pé da barragem. Tal modalidade apresenta latente risco à vida dos pescadores e passa a ser desestimulado pelas autoridades locais, que tem, na piscicultura, a possibilidade de substituição desta técnica de pesca, afinal, na pesca e na piscicultura, o produto final é o mesmo. Desta forma, pescadores artesanais idosos e semi-analfabetos são estimulados a tornarem-se empreendedores por meio do agronegócio da piscicultura.
Novas práticas exógenas, foram estimuladas, todavia, não foram internalizadas, resultando na desunião entre os pescadores beneficiários do Parque Aquícola, que tentam angariar maiores ganhos individuais, estimulados por uma lógica de acumulação do capital e racionalidade produtiva.
Este trabalho soma-se a trabalhos que expõem que o modelo de desenvolvimento brasileiro fagocita modos de re(existir) de populações tradicionais por meio da inserção de atividades não sustentáveis e entropicamente irreversíveis, inserindo cenários caóticos no seio da relações ecológicas e sociais, disfarçados de projetos de geração de renda e promoção da autonomia destas populações.
Mariana Neves Cruz Mello
Sobre a autora
Mariana Mello é geógrafa, com mestrado em geografia e doutorado em ecologia aquática e pesca. Possui experiência com populações haliêuticas desde 2008, quando se tornou bolsista do projeto “Manejo de pesca na região de estuário e baixo Amazonas” desenvolvido no Núcleo de Altos Estudos da Amazônia, na Universidade Federal do Pará. Desde então, tem submergido no universo ontológico da pesca artesanal na Amazônia, entre mares e marés, rios , lagos, lagunas e igarapés.