Tudo começou no curso de Educação Física da Unicamp. Ali, como em outros cursos similares, havia a exigência de se compor um trabalho de conclusão de curso, que deveria ser resultado de uma pesquisa, uma espécie de iniciação científica curricular. O primeiro esboço do projeto foi feito com a ajuda da professora Carmen Lúcia Soares, no segundo semestre de 2013. Quando sob supervisão do professor Edivaldo Góis Júnior (que tornou-se, efetivamente, meu orientador de pesquisa), o projeto foi lapidado e submetido ao CNPq para que, além de um TCC, fosse também uma iniciação científica fomentada por uma agência especializada. Após terminada a pesquisa, o trabalho foi refinado até se tornar uma monografia e, então, ser apresentado e defendido sob a arguição da banca, na qual estavam presentes o professor Edivaldo e a doutora Evelise Amgarten Quitzau, estudiosa dos esportes na imigração alemã. Agora, o trabalho finalmente se torna um livro.
Sobre o conteúdo, é importante ressaltar que, tendo cursado Educação Física, esta pesquisa contém a minha primeira aproximação a vários temas aos quais não havia sido apresentado durante a minha formação. Em primeiro lugar, trata-se de uma historiografia, um método de trabalho próprio, é evidente, a historiadores. Entender sobre os aspectos teóricos e metodológicos da História foi o primeiro desafio – e ele permanece até hoje –, e na ocasião me aproximei do clássico Marc Bloch, co-fundador do que ficou posteriormente conhecido como “escola dos Annales”, e do trabalho de revisão de Antoine Prost.
O segundo passo foi entender temas aos quais eu era absolutamente alheio: imigração, imigração japonesa, identidade nacional. No que diz respeito à imigração, várias questões estavam em jogo, como o declínio do sistema escravocrata e do absolutismo, assim como a ascensão de ideais liberais e de uma (pseudo)ciência das raças no Brasil. Já sobre a identidade nacional, o trabalho clássico de Benedict Anderson, Comunidades Imaginadas, foi o principal aporte teórico para pensar essa ficção das nações, que se expressam na imaginação de uma comunidade.
E mesmo aquilo que representa a ponta de solda entre o trabalho historiográfico sobre identidade na imigração japonesa e a Educação Física estava ausente nas discussões das disciplinas que cursei: trata-se da noção de práticas corporais. De uso controverso, esse termo disputa espaço entre outras noções ou conceitos presentes na área, como os de atividade física, exercício físico, cultura corporal, cultura de movimento, cultura corporal de movimento… Na época em que escrevi, o trabalho de Ana Márcia Silva cumpriu a missão de prover alguns limites conceituais para o objeto, embora hoje eu esteja mais próximo de orientações sociológicas sobre “práticas”, das quais as práticas corporais parecem ser um recorte. De qualquer modo, o termo “esporte” teria caído quase totalmente bem, já que a principal fonte, o Jornal de Notícias, teve predileção por esse tipo de prática. Mantive o termo original para a publicação do livro, pois, mesmo colocando todos os problemas em questão, ainda me parece um termo apropriado.
No fim das contas, este livro tem como objetivo subjacente o de mostrar à comunidade acadêmica e não acadêmica que se pode estudar Educação Física de outros pontos de vista que não os da saúde ou os do rendimento esportivo. Embora a questão de se as práticas corporais estiveram ou não presentes na manipulação de uma identidade nacional japonesa no Brasil acabe de maneira inconclusiva por falta de fontes discursivas mais sólidas, a própria narrativa sobre os esportes entre os imigrantes já dá uma boa ideia de como os usos do corpo estão vinculados não apenas a processos fisiológicos, mas a uma vida social e cultural – e por isso acompanham os grupos sociais imigrantes, gerando times esportivos imigrantes, associações esportivas imigrantes, modalidades esportivas associadas a grupos sociais imigrantes, etc. Em face mesmo a esses pequenos achados (e a tantas outras pesquisas que se situam na intersecção da Educação Física com as ciências humanas), não se pode recusar a ideia de que, fale-se de práticas corporais, cultura corporal ou qualquer outro termo, esses usos do corpo são notadamente um artefato cultural.
Por fim, apesar de já se ter passado algum tempo da realização deste trabalho, e de, nesse tempo, eu ter avançado principalmente nas discussões teórico-metodológicas aqui presentes, decidi manter o manuscrito original, sem alterações, eternizando-o como registro dessa minha primeira aproximação com a pesquisa. Isso significa manter suas imprecisões e seus erros tanto quanto seus méritos, pois um trabalho é invariavelmente o resultado do momento de um pesquisador. Um registro um pouco mais polido sobre esta pesquisa pode ser encontrado no artigo que publiquei em 2018 na revista Licere.
O AUTOR
SOBRE O AUTOR
Igor Cavalcante Doi
É bacharel e licenciado em Educação Física pela Faculdade de Educação Física da Unicamp. Atualmente desenvolve pesquisa no mestrado em Educação Física da mesma instituição, na área de concentração Educação Física e Sociedade, onde se dedica a investigações no âmbito da História Cultural. Possui interesse em lutas, práticas corporais, representações sociais e identidade nacional. É membro dos grupos de pesquisa Corpo e Educação e MARGEM.
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