Desde 2008 o Grupo de Pesquisas Dinâmicas Territoriais do Espaço Rural na Amazônia (GDEA) analisa as dinâmicas territoriais dendeicultoras na Amazônia paraense. Nesses dez anos realizamos inúmeros trabalhos de campo que se traduziram artigos, livros, capítulos de livros, resumos de anais de eventos, teses de doutorado, dissertações, trabalhos de conclusão de curso e planos de trabalho de iniciação científica. Elaborações que privilegiam processos espaciais desencadeados na microrregião de Tomé-açu, sobretudo no espaço rural dos municípios de Moju, Acará, Tailândia, Tomé-açu e Concórdia do Pará.
Construímos um conjunto de hipóteses de trabalho metodologicamente fundadas na proposição do território usado. Partimos do entendimento que a dendeicultura não é a panaceia para os problemas históricos e estruturais que estão enraizados no espaço rural da Amazônia paraense, tal como propõem os discursos oriundos do Estado; tampouco a concentração de terra, os conflitos no campo, os problemas ambientais, dentre outros, têm sua origem na dendeicultura como advogam alguns. Longe disso, a intepretação do processo deve ser apreendida considerando-se quem são seus promotores, quem ganha, o quê e quem perde o quê. De modo que, tão importante quanto ressaltar as vantagens comparativas e competitivas em termos de rentabilidade econômica, balanço energético para biodiesel, geração de emprego, dentre outras, é perguntar quem usufrui desses recursos, ou seja, quem faz uso do território, como, porque e para quê.
Nossas pesquisas assumiram forma de monografias de conclusão de curso, plano de trabalho de iniciação científica, dissertações de mestrado e teses de doutorado. Nos encontros de área os resultados foram expostos, debatidos, requalificados e sintetizados em artigos, capítulos de livro e livro. Foi assim que em 2014 alguns textos foram agrupados no livro Dendeicultura e dinâmicas territoriais do espaço agrário na Amazônia paraense I. Entendíamos que estávamos diante de um projeto de folego para décadas. E eis que agora oferecemos ao público o Dendeicultura e dinâmicas territoriais do espaço rural na Amazônia paraense, vol. II, que agrupa textos previamente qualificados por corpo editorial de períodos indexados pelo Qualis Capes de precedidos de um inédito.
O texto A genealogia do cultivo do dendezeiro na Amazônia paraense, ainda inédito, oferece a partir de densa revisão de literatura, uma trajetória do cultivo do dendezeiro sintetizada em quadros que situam momentos e dinâmicas demarcadas pelos primeiros projetos, a ação estatal, a formação de cooperativas, o advento de novas empresas e a integração da agricultura familiar. Ele situa o leitor na história do cultivo, sendo necessário para o entendimento do texto Uma interpretação geográfica da dendeicultura na Amazônia paraense, que tendo como ponto de partida o território usado concebe essa atividade como evento que assinala um novo tempo na dinâmica territorial do espaço agrário no nordeste paraense. Desde então é possível identificarmos um período geográfico do dendê tornado possível por um conjunto de ações políticas estatais e empresariais que permitiram a formação de territórios da palma e aprofundaram a concentração de terra nas mãos de poucas empresas. Nos lugares sob a influência da dinâmica desse agronegócio vemos a subordinação do território usado às empresas surgir no horizonte traços de um campo sem camponês. Neste texto seminal são apresentadas as hipóteses de trabalho norteadoras das pesquisas que situam e singularizam a visão do GDEA na constelação das interpretações sobre o tema.
Os textos seguintes são estudos de caso operacionalizando as hipóteses antes expostas. Em Dinâmicas da agricultura familiar com cultura do dendezeiro no município de Moju, na Amazônia paraense analisa-se as relações entre dendeicultura e agricultura familiar no espaço agrário do município de Moju a partir dos projetos de produção familiar criados associação entre Estado brasileiro e capital nacional e internacional. Tendo como ponto de partida e enfoque metodológico o território usado, sustenta-se que tais projetos beneficiam primordialmente aos empresários, pois ele se apropria da área e dos usos sem estabelecer relações de assalariamento ou mesmo sem ser proprietário de terra. Trata-se de um texto que expõe os traços gerais do processo de integração do agricultor camponês à dinâmica empresarial de produção do dendê. Por sua vez, em Do sítio camponês ao lote do dendê: transformações do espaço rural na Amazônia paraense no século XXI enfoca-se algumas transformações no espaço rural impulsionadas pela dendeicultura na Amazônia paraense no início do século XXI. Objetiva-se mostrar a trajetória da condição espacial de sitiante camponês para agricultor do dendê no município de Moju, precisamente na comunidade do Arauaí a partir da integração de 150 famílias ao projeto de produção de dendê familiar da Agropalma. No texto Dendeicultura em Tomé-açu (PA): metamorfoses no trabalho e no espaço na vila Forquilha a autora parte do pressuposto que a chegada da dendeicultura nos diversos municípios paraenses constitui um evento que vem reconfigurar a dinâmica existente no lugar, desencadeando metamorfoses no trabalho agrário em Tomé-açu. Identificar e explica esse processo na Vila Forquilha, município de Tomé-açu, pois antes da instalação da empresa produtora de óleo de palma Biopalma, o trabalho possuía uma dinâmica diferente da existente hoje.
No texto Encontro e desencontros na Amazônia paraense: os Tembés-Mariquita e a Biopalma em Tomé-Açu ressalta uma situação geográfica de encontro e desencontro na Amazônia paraense em torno de disputas territoriais entre os Tembé das terras indígenas Turé-Mariquita I, Turé-Mariquita II e Aldeia Nova e a empresa Biopalma no início do século XXI. Reafirma-se a fronteira amazônica como palco, produto e condicionante de encontros e desencontros de temporalidades e espacialidades, que se traduzem na anulação do outro pela chegada do estranho. Tais encontros e desencontros pedem uma análise geográfica, cujos traços esboçamos neste texto.
Nos dois textos finais analisa-se a dendeicultura enquanto uma construção discursiva para o meio rural. No texto Intenção e visões sobre dendeicultura e campesinato no município de Baião (PA) analisa-se como o discurso de desenvolvimento reflete a visão do campesinato e como é subvertido o olhar por efeito do que lhe é ofertado. Expõem-se também como se processa o pensamento que favorece o agronegócio no sentido de implantar a dendeicultura nas chamadas áreas antropizadas da Amazônia. Em Dendê para quê? Dendê para quem? A ideologia da fronteira na Amazônia paraense sustenta que o discurso de produção de dendê para o biodiesel constitui uma ideologia da fronteira. Ao entorno dele, reedita-se a representação de espaço dotado de vantagens comparativas.
O leitor tem assim diante de si uma proposta de interpretação do espaço rural da Amazônia oriental tendo como fio condutor a espacialidade da dendeicultura. Quando nos referimos a dendeicultura nos reportamo-nos a processos que têm por fundamento empírico o cultivo do dendezeiro, mas são infinitamente maiores, mais complexos e transcendem várias escalas. Entendemos dendeicultura como uma forma de subjetividade disseminada pela agricultura empresarial como espécie de pensamento único e introjetada pelo agricultor familiar e pelos assalariados rurais. Subjetividade propositiva da racionalidade mercadológica como a única razão operante na existência humana, dividido a sociedade em empresários, clientes, colaboradores e consumidores. De fato, a vida do agricultor rural fica tão dependente do cultivo do dendezeiro que podemos dizer que o dendezeiro cultivou e cativou o ser humano e não o contrário.
O conceito de dendeicultura ressalta que o cultivo do dendezeiro adentra o ser humano e norteia suas ações. Essa é provavelmente a mudança mais significativa que esse fenômeno imprime ao meio rural desta fração da Amazônia outrora marcada por sociedades camponesas integradas ao mercado, mas que não tinham as relações sociais de produção dependentes da obtenção de quantidade de dinheiro cada vez maiores. A mercantilização da vida e não somente da força de trabalho adentra o espaço rural da Amazônia paraense introduzida pela agricultura empresarial do dendezeiro. Agricultura impulsionada e amparada por políticas de Estado que criam condições jurídicas e institucionais para o avanço do cultivo do dendezeiro e da dendeicultura como racionalidades empresarias no meio rural. Isso explica a motivação de empresários e agricultores em ampliar sua área de cultivo, mesmo ao preço de diminuição de terra e tempo de trabalho dedicados à produção de alimentos. A garantia de compra da produção do dendê por vinte e cinco anos aparece como atestado de futuro garantido, como se tal relação estivesse imune às crises políticas, econômicas, oscilações cambiais e mercados de commodities.
João Santos Nahum
Cleison Bastos dos Santos
SOBRE OS AUTORES E ORGANIZADORES
João Santos Nahum
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Graduado em Geografia (1992) e Ciências Sociais (1995) pela Universidade Federal do Pará. Especialista em Estado e Fronteira e mestrado em Planejamento do Desenvolvimento no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (2000). Especialização em Geografia e Planejamento Ambiental pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), em 1995. Doutorado em Geografia pela Universidade Estadual de São Paulo (UNESP-Rio Claro), em 2006. Atualmente é Professor de Geografia da Faculdade de Geografia e Cartografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Pará. Pesquisador e Coordenador do Grupo de Pesquisa GDEA – Dinâmicas Territoriais do Espaço Rural na Amazônia Paraense.
Cleison Bastos dos Santos
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Graduado em Geografia (2005) pela Universidade Federal do Pará. Especialista em Geografia da Amazônia pela FIBRA – Faculdade Integrada Brasil-Amazônia, em 2009. Mestre em Geografia (2015) pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Pará e Doutorando do PPGGEO/UFPA. Professor efetivo de Geografia da rede de ensino municipal em Moju (SEMED) e da rede estadual (SEDUC). Pesquisador e coordenador Adjunto do Grupo de Pesquisa GDEA – Dinâmicas Territoriais do Espaço Rural na Amazônia Paraense.
Ana Cláudia Alves Carvalho
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Graduada em Geografia (2012) pela Universidade Federal do Pará. Mestre em Geografia (2016) pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Pará. Atualmente é doutoranda do PPGGEO/UFPA. Colaboradora do Grupo de Pesquisa GDEA – Dinâmicas Territoriais do Espaço Rural na Amazônia Paraense.
Leonardo de Sousa Santos
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Técnico em Geodésia e Cartografia (2012) pelo Instituto Federal de Ciência, Educação e Tecnologia do Pará (IFPA). Graduado em Sistema de Gestão e Sistema de Segurança (2005) pela Universidade da Amazônia (UNAMA), e em Geografia (2014) pelo Instituto Federal de Ciência, Educação e Tecnologia do Pará (IFPA). Especialista em Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto (2011) pelo instituto de Estudos Superiores da Amazônia – IESAN. Especialista. Especialista em Gestão Ambiental e Desenvolvimento Sustentável (2013) pelo Centro Universitário Internacional (UNINTER). Especialista em Meio Ambiente e Saneamento (2013) pela Universidade On-Line de Viçosa (UOV). Especialista em Gestão de Recursos Hídricos: Governança e Sustentabilidade pelo Centro Universitário Internacional (UNINTER). Mestre em Ciências Ambientais (2016) pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Universidade do Estado do Pará. Doutorando do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Pará (PPGGEO). Cabo do Corpo de Bombeiro Militar do Estado do Pará e pesquisador colaborador do Grupo de Pesquisa GDEA – Dinâmicas Territoriais do Espaço Rural na Amazônia Paraense.
João Paulo Carneiro Thury
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Possui graduação em Ciências Sociais (2003) pela Universidade da Amazônia (UNAMA). Mestre em Geografia (2017) pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGEO) da Universidade Federal do Pará. Técnico Antropólogo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – DF e pesquisador colaborador do Grupo de Pesquisa GDEA – Dinâmicas Territoriais do Espaço Rural na Amazônia Paraense. Atualmente, é analista, sociólogo e professor do OPERADORES DO SUAS da Secretaria Estadual de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda. Consultor em Análise de gestão do SUAS do Instituto Fator Amazônico. Professor do CAPACITA-SUAS do Ministério do Desenvolvimento Social.
Mílvio da Silva Ribeiro
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Graduado em Geografia (2013) pela Universidade Federal do Pará. Mestre em Geografia (2015) pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Pará e doutorando do PPGGEO/UFPA. Professor da Educação básica na rede municipal (SEMEC- Tucuruí-PA) e estadual (SEDUC-PA). Atualmente é doutorando em Geografia do PPGEO-UFPA. Pesquisador colaborador do Grupo de Pesquisa GDEA – – Dinâmicas Territoriais do Espaço Rural na Amazônia Paraense.