Descrição
Ao ser convidada a prefaciar este livro com o título “Dez Anos: crônicas de projectos sócio-económicos que transformaram vidas em Angola, África”, confesso que foi muito difícil arrumar as ideias, pois a informação nela contida tem muito a ver com a minha envolvência nestes projectos.
O Posfácio da Dra. Anot Santos testemunha o período áureo de uma trajectória de luta, sacrifício e se quisermos, teimosia em não desistir. Pelo contrário, romper as barreiras para que fosse possível corresponder ao que nos fora solicitado por ocasião da nossa nomeação para promover o desenvolvimento das comunidades rurais.
Não quiz colidir com o seu pensamento que também é o meu, pois partilhamos juntas momentos difíceis de cumplicidade na partilha de ideias, informação, visão, coragem, lágrimas e sofrimento ao vermos os nossos semelhantes em situações de penúria.
Lembro-me de palavras de encorajamento de um Soba no Município do Mussende ao assistirmos uma mãe a esvair-se em sangue após um parto. Todos nós mulheres e homens do grupo começamos a chorar por impotência em socorrê-la. “transformem essas lágrimas em força e coragem, senão não fazem nada”.
Por esta razão faço este prefácio baseando-me num flashback, recordando os momentos que vivemos na interacção com as comunidades rurais, o que aprendemos com elas e, principalmente, acreditar que era possível mudarmos a realidade de muitas famílias.
Desde os anos 2000 em diante a questão da agricultura familiar tem merecido a atenção do governo e seus parceiros sociais, uma vez que ela representa o meio sustentável para o combate à fome e à pobreza, evitando desta forma o êxodo rural e promove a economia local de forma endógena.
Em 2006 o governo angolano deu um novo impulso às atribuições do Ministério da Agricultura com a reintrodução da componente do Desenvolvimento Rural e nomeação de uma Vice-Ministra/Secretária de Estado com a responsabilidade específica de dinamizar o Desenvolvimento Rural e o Combate à Pobreza, num contexto difícil em que o país ainda enfrentava as consequências de um passado caracterizado por insustentabilidade ambiental, económica, social, humanitária e infraestrutural.
Formamos uma equipa pequena, multidisciplinar, porém comprometida com a causa, ciente dos riscos que correria, mas com o firme sentimento patriótico de tudo fazer para restaurar a esperança das populações.
Foram efectuadas inúmeras viagens terrestres (a excepção de Cabinda), às aldeias e comunas mais vulneráveis dos vários municípios das províncias que compõem a República de Angola, complementadas com Diagnósticos Rurais Participativos para que ouvíssemos na primeira pessoa as dificuldades, desafios e as aspirações das comunidades rurais, tendo em atenção que a sua realidade implicava um entendimento sociológico, antropológico e económico sobre o significado da terra para as populações que habitam no meio.
Encontramos realidades chocantes, relatos de partir o coração, enfim, situações que nos levaram a reflectir e tomar decisões urgentes, eficazes e eficientes para reverter o quadro dos indicadores preocupantes vivenciados.
Depois de uma análise profunda sobre a realidade das zonas rurais e a condição social e económica das suas populações, concluímos ser necessário pautar por uma intervenção que viabilizasse o desenvolvimento económico e social em moldes mais equilibrados, com o máximo de eficiência organizacional, tendo como meta transformações sociais, com o intuito de reduzir os desníveis existentes entre as áreas urbanas e as áreas rurais, diminuindo simultaneamente as assimetrias regionais.
Este exercício exigiu a recomendação de elaboração de políticas de reordenamento rural, com recurso à Planos Directores Municipais e Rurais com o objectivo de fixar as populações locais, atrair outras para as zonas rurais e dinamizar as actividades económicas, sociais e culturais, incluindo a gestão urbanística e ambiental, o turismo, bem como desenvolver e fortalecer a rede de comercialização rural primando por uma agricultura virada para o mercado, acompanhada da reabilitação e construção de centros de armazenagem, conservação e processamento, transporte, lojas e cantinas fixas (Aldeias Rurais Autossustentadas).
Contudo, foi aprovado o Programa de Desenvolvimento Rural Integrado e Combate à Pobreza com o fito de se levar às comunidades rurais os pressupostos da cidadania e da inclusão social e com ela garantir a qualidade de vida.
Com as mudanças na orgánica do governo, a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Rural, foi extinta. As suas atribuições foram transferidas para o Ministério da Família e Promoção da Mulher (MINFAMU), passando a designar-se Direcção do Desenvolvimento Comunitário, com os mesmos objectivos e competências, com particular atenção às mulheres e jovens rurais, dando desta forma, continuidade aos programas e projectos de desenvolvimento das comunidades rurais.
O Programa de Apoio à Mulher Rural destacou-se neste contexto, devido ao seu alinhamento aos programas regionais e internacionais, no âmbito dos compromissos assumidos por Angola a nível regional e internacional.
Com esta intervenção e numa perspectiva de desenvolvimento local, começaram a ser desenvolvidas acções de potenciação de capacidades humanas, onde as pessoas tivessem o sentimento de pertença e serem protagonistas do seu futuro, partindo da organização das comunidades, sensibilização, formação, incluindo a alfabetização e actividades geradoras de renda, o comércio rural, o acesso aos títulos de terras e aos recursos financeiros, às pequenas tecnologias, a promoção de pequenos e médios negócios, a garantia de oportunidades de trabalho, entre outros.
O Programa de Apoio à Mulher Rural foi sem sombra de dúvidas uma rica experiência que nos fez acreditar que com empenho, dedicação e empatia é possível vencer as barreiras da pobreza, garantir a segurança alimentar e nutricional, diminuir a dependência das importações, sendo por isso imperativo que os pequenos produtores tenham todos os mecanismos, incentivos e tecnologias para aumentar a produção e a produtividade e assim poderem competir no actual mundo das economias globalizadas como o mercado livre da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) e o africano, por um lado, e por outo melhorar a sua condição de vida.
A incursão pelo mundo rural fez-nos concluir que o empoderamento das pessoas é a chave para o sucesso dos projectos de cariz social.
Foi neste âmbito que o MINFAMU estabeleceu uma parceria com o Grupo Kapilongo para a implementação de projectos sustentáveis e geradores de renda e fazer das terras a mola impulsionadora da transformação social, reconhecer a importância do papel desempenhado por mulheres e jovens na agricultura e incentivar a sua maior participação nos espaços de discussão e definição de políticas públicas.
Não menos importante, pretendemos também incorporar a perspectiva de direitos humanos e a igualdade e equidade de género nas estratégias nacionais orientadas a garantir segurança alimentar e nutricional com ampla participação social, particularmente dos sectores mais vulneráveis e promover a resiliência da agricultura familiar às alterações climáticas, com recurso e acesso às tecnologias de baixo impacto ambiental.
Esta é uma obra de tirar o fôlego para os amantes do desenvolvimento comunitário e de grande poder de síntese que relata as experiências levadas a cabo pela equipa da Kapilongo em 15 províncias. Estas crônicas de projectos sócio-económicos que transformaram vidas em Angola, África é prova de que, com base numa metodologia que equilibra a teoria e a prática é possível transformar a pobreza em riqueza.
Esta parceria estratégica iniciou com a realização de três projectos em paralelo nos domínios do fabrico de compotas, sabão e beneficiação do mel, numa visão temporal de três anos, de 2014 a 2017, tendo como base a apreciação situacional e formação das mulheres, seguida da implantação dos insumos e posteriormente a consolidação da agroindústria de sumos e conservas, a produção de sabão e a produção apícola.
De valor inestimável para especialistas ligados a políticas de desenvolvimento sustentável de combate à pobreza, o livro chama a atenção para a existência dos mais pobres dos pobres, como por exemplo as mulheres e jovens rurais, dentro de um espectro de excluídos do perverso modelo de desenvolvimento que prevalece nas zonas rurais e não só, que privilegiam o lucro e o betão em detrimento do capital humano.
Esta obra é de importância incomensurável, uma vez que é uma mescla de experiências que se constituem em referências para a construção de um novo modelo de desenvolvimento da economia local, ou seja, debaixo para cima, onde homens e mulheres sejam protagonistas do seu próprio destino.
No final da leitura você encontra um manual com receitas caseiras que pode servir de réplica para outros projectos de desenvolvimento local sustentável, cujo foco são as Mulheres e Juventude Rurais caracterizados pela inovação, inclusão e cidadania social.
Recomendo a todos que leiam e reflictam sobre as experiências vividas por nós com paixão, espírito de missão e de entrega e amor ao próximo, experiências essas que transformaram vidas.
A interrupção dos três projectos pilotos não significa que as beneficiárias ficassem para trás. Nunca é tarde! Tudo no seu Tempo!
Com a realização do Primeiro Fórum Nacional da Mulher Rural, ficou patente de que devemos ser persistentes e nunca desistir quando a melhoria do bem-estar das comunidades fala mais alto.
Foi o que prometemos na altura. Continuar a trabalhar e transformar a sua condição de vida. Que possamos todos juntos e de forma articulada, * ¨e valorizar mais e melhor o meio rural, enquanto depositário das nossas riquezas naturais e humanas, para que seja efectivamente a plataforma catalisadora para transformarmos as dificuldades em desafios, o desespero em esperança, o sofrimento em melhor qualidade de vida, a pobreza em riqueza e como vem escrito em Mateus 20 “fazer dos últimos os primeiros” para a dignificação das famílias e, como disse uma Mulher Rural aquando do Fórum da Mulher Rural “sem nós não há comida, por isso não tirem as nossas terras”.
*(Filomena Delgado, encerramento do primeiro Fórum Nacional da Mulher Rural)
O meu reconhecimento aos autores que com esta publicação estão a perpetuar uma experiência inolvidável, pois para além de demonstrarem um profundo conhecimento sobre a agricultura familiar, introduziam o conceito de sustentabilidade ambiental, social, económica e cultural do mundo rural e assim mostrar que é possível o Executivo e a Sociedade Civil trabalharem juntos numa perspectiva de parcerias público-privadas (PPP).
Obrigada a todos os técnicos brasileiros e angolanos que directa ou indirectamente tornaram possível a transformação da vida de muitas mulheres rurais.
Dra. Maria Filomena de Fátima Lobão Telo Delgado.
Ex-Ministra do Ministério da Família e Promoção da Mulher (MINFAMU).
Actual Embaixadora da República de Angola na Confederação Suíça.