Ao se fazer um breve retrospecto do desempenho do setor agrícola brasileiro, verifica-se que, a partir da década de 1950, em função do acelerado processo de urbanização e da necessidade de viabilização do desenvolvimento industrial, buscou-se superar o atraso do setor agropecuário do país através da adoção de políticas agrícolas com vieses modernizantes, orientadas para a otimização das técnicas produtivas através do financiamento para aquisição de máquinas agrícolas de fabricação nacional, além da melhoria da infraestrutura dos corredores de distribuição e do armazenamento das safras. Linhares e Silva (1999) destacam que também datam deste período os sistemas de distribuição de terras como medida completiva e atenuante dos problemas de pobreza e tensão no campo.
Em meados dos anos 1960, com a formação dos Complexos Agroindustriais, o agronegócio nacional se moderniza e, de acordo com Elias e Sampaio (2002), o trabalho formal se difunde no meio rural.
Nos anos 1970, a escalada modernizante se intensifica, quando ocorre a integração dos capitais e se introduz a biotecnologia nas técnicas de produção, além das políticas de crédito subsidiado, preços mínimos, pesquisa e extensão. Entretanto, Kageyama e Graziano da Silva (1986) destacam que o intenso processo de modernização da agricultura brasileira, ao enfatizar o maior uso de insumos químicos e a mecanização poupadora de mão-de-obra, modificou a estrutura do mercado de trabalho rural, refletindo na minimização das ocupações tradicionais no campo e na consequente precarização da distribuição da renda agropecuária do país.
O arrefecimento do crescimento econômico nos anos 1980 resultante da crise econômica desencadeada pela elevação do endividamento externo, associada à impossibilidade de obtenção de saldos em divisas através da exportação no contexto de interrupção do crédito internacional, e a crescente instabilidade inflacionária, provocaram rebatimentos negativos na agropecuária nacional, em que as políticas para o setor foram mais tímidas tendo que sofrer redução do crédito e eliminação dos subsídios.
A exemplo dos reflexos da escassez de recursos para o período supracitado é possível mencionar a forte contração da Política de Preços Mínimos (PPM) que, instituída desde 1945, é dividida nos segmentos de Aquisições do Governo Federal (AGF), que possui recursos oriundos do Tesouro, sendo aplicado nos casos em que o preço do produto agrícola no mercado se encontra abaixo do preço mínimo estipulado pelo governo; e no segmento de Empréstimos do Governo Federal (EGF), que possui recursos originados do crédito de comercialização, sendo adotadas as regras do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), em que o governo empresta recursos para o agricultor estocar o produto quando o preço está desfavorável e vendê-lo na entressafra, quando ocorre incremento do valor do produto no mercado. De acordo com a análise de Bacha (2004), a partir dos dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), as AGF ficaram seriamente comprometidas pela insuficiência de recursos, a ponto de ter reduzido o montante direcionado para tal política de 1.033 milhões de dólares em 1988 para 323 milhões em 1990 e para 89 milhões em 2002. Caso mais drástico é apresentado pelos EGF, cujos recursos de 1.478 milhões de dólares em 1988 contraem-se para 478 milhões em 1990 e caem vertiginosamente para apenas 1 milhão de dólares em 2002.
Nesse sentido, a restrição orçamentária do governo na década de 1980 fez com que, a partir dos anos de 1990, a intervenção governamental no setor agrícola fosse gradativamente reduzida, passando a ser pontualmente direcionada a alguns segmentos, produtos ou regiões específicas. Tal processo de atuação localizada e frequentemente passiva[1] é condizente tanto com os princípios neoliberais absorvidos pelo país, quanto com a pouca disponibilidade de recursos fiscais, acentuando-se ainda mais a partir de meados da mesma década, quando os instrumentos de intervenção estatal passam a admitir parcerias privadas em níveis cada vez mais crescentes.
[1] A exemplo da Lei Kandir implementada em 1995 que, de acordo com Bacha (2004), isenta o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para produtos agrícolas e agroindustriais de exportação, a fim de reduzir o preço em dólar do produto exportado; e da política de sobretaxação de produtos agrícolas exportáveis de demanda inelástica em situação de desvalorização cambial.
(A autora)
Sobre a autora
Isabela da Silva Valois possui graduação em Economia, especialização em Administração Financeira, mestrado em Economia Rural e atua como professora das disciplinas de Economia no Curso de Administração da Universidade Estadual Vale do Acaraú.