PREFÁCIO: “Educação em tempos desumanos”
Temos observado, com certa frequência, o avanço impetuoso da extrema direta que com seu projeto de alinhamento à lógica desumana do capital, segue negando, de diversas formas, direitos básicos a vários grupos de sujeitos sociais, isto porque a extrema direita não aceita uma formação integral para os filhos da classe trabalhadora e que abarque todos os conhecimentos necessários para uma formação integral articulando ciência, cultura e tecnologia como forma de promover a integração de sujeitos mais críticos e politizados.
O livro “Educação e(m) tempos desumanos: confluência de olhares”, organizado pelos educadores Fernando Jorge dos Santos Farias (docente da UFPA) e Israel Fonseca Araújo (doutorando em Letras da UERN), nos convoca a refletir o quanto os processos educacionais precisam ser direcionados na perspectiva de superação da lógica perversa do capitalismo que “desumaniza” o sujeito social, aprisionando-o na condição de ser “alienado” (MARX, 2002). Romper com a lógica da extrema direita que nos últimos anos tem influenciado diretamente a agenda de educação em nosso país, nos coloca na linha de frente para a superação da lógica desumana e para além do capital, como nos indica Mészáros (2008).
É preciso pautar nossa ação no entendimento de que a instituição escolar não é apenas um espaço de transmissão de conceitos de áreas específicas, ela é sim, espaço de formação humana e que precisa ser integral, visto que para muitas crianças, adolescentes, jovens e adultos da classe trabalhadora, este pode ser um único caminho para garantir acesso à cultura, além do saber social e historicamente construído.
A educação diz respeito à formação ampla do sujeito, a escola é espaço de convivência de relacionamentos e as relações que são produzidas no ambiente escolar, nos permitem construir diversos caminhos de aprendizagem ultrapassando uma visão restrita e uniforme do aprender. Na compreensão dessa função principal da escola, enquanto espaço de formação, situa-se o entendimento de que o homem enquanto ser social é resultado de suas relações históricas e de múltiplas vivências culturais. Desta forma, não podemos mais aceitar que a educação seja usada como espaço que abriga práticas que levam a processos de desumanização do sujeito social, mesmo entendendo que a escola é um espaço e instrumento de reprodução das relações de produção que a conduz a processos de reprodução da dominação e exploração por meio do capital (SAVIANI, 1985).
Pontuamos, então a necessidade de olhar para os espaços de formação como promotores dos processos de humanização da sociedade e dos sujeitos que a compõe, por meio do acesso ao saber socialmente construído e disponibilizado pela escola, não como um saber estático, mas como fruto de um processo histórico e dialético que constitui a sociedade.
Nesse ínterim, o livro proposto dialoga com experiências educativas que nos permitem compreender o que já vem sendo construído e vivido, tanto na educação básica quanto na superior, com intuito de acolher grupos e práticas educativas em que a centralidade e a mobilização aconteçam por dentro da escola, e onde a contradição se manifesta como propiciadora de outras objetivações que auxiliam na compreensão da totalidade social das relações e produções na sociedade na qual vivemos.
Essas experiências e vivências educativas abordadas no livro centralizam as temáticas da juventude, da educação inclusiva, da educação do campo como eixos norteadores e garantidores do acesso a educação como direito público do cidadão brasileiro, partindo da difícil articulação da dimensão macro da realidade dos sistemas educacionais e do cotidiano escolar como pontos de reflexão e ação dos sujeitos envolvidos no processo.
As temáticas abordadas ao longo do livro são apresentadas permitindo uma leitura que amplia os processos de reflexões à medida que dialogam com vários campos do saber e viver, reafirmando que os sujeitos constroem socialmente os sentidos dos processos reais de sua vida e essas construções se dão pelas mediações erigidas, também ao longo da vida escolar, ajudando na construção de elementos sociais importantes como a cultura e os saberes necessários para promoção de processos de humanização da sociedade e de seus sujeitos, por meio do acesso ao saber, um saber que não poder ser “visto” e “compreendido” como estático, mas como resultado de um processo mais amplo que envolve o desenvolvimento histórico e dialético dos sujeitos e da sociedade, permitindo que a produção e a existência dos homens e mulheres (SAVIANI, 2011).
Nessa temporalidade em que pesquisas e vivências se assentam em buscar espaços mais humanos por meio da educação, refletir e dialogar sobre o trabalho pedagógico se faz necessário, à medida que o livro apresenta pesquisas, fruto de experiências em que o trabalho pedagógico é centralidade. Partimos do pressuposto que este tipo específico de trabalho educativo se assenta em bases científicas histórico-dialéticas, apresentando uma noção ampliada do trabalho desenvolvido pelo
professor na escola de forma articulada com a macroestrutura (FRIZZO, 2008) e na qual os processos formativos podem acontecer de uma forma mais humana e integral, isto porque o trabalho pedagógico está diretamente relacionado com os processos de produção do conhecimento dos sujeitos sociais que lhes ajudam na produção e organização da vida social, assumindo posturas críticas e contra hegemônicas vividas dentro da sociedade do capital, um conhecimento que permita a passagem de uma consciência ingênua para uma consciência crítica como nos indica Freire (1996).
Ao discutirmos sobre a relação entre capital e educação não podemos deixar de destacar que “quanto mais regressivo e desigual o capitalismo realmente existente, mais ênfase se tem dado ao papel da educação e uma educação marcada pelo viés economicista, fragmentário e tecnicista” (FRIGOTTO, 2005), fazendo-se necessárias novas práticas e vivências educativas, em tempos tão desumanos, práticas mediadas pelo trabalho educativo que se configura como “ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (SAVIANI, 2011).
Ao discutir vivências e experiências, por meio das pesquisas aqui relatadas e que nos tem permitindo assegurar que a educação aconteça de forma que leve o sujeito a aproximação com espaços de emancipação, mesmo em tempos tão “desumanos” é necessário destacar o quanto o acesso ao conhecimento é fundamental, evitando experiências que deseducam e alienam os sujeitos sociais, como tem defendido a extrema direita, por meio de currículo fragmentando e que atende a lógica da avaliação classificatória e de resultados, descaracterizando o conhecimento crítico como capaz de libertar a sociedade das amarras do capital.
Igarapé-Miri, 04 de abril de 2023.
Crisolita Gonçalves dos Santos Costa
Professora na UFPA/Campus Abaetetuba
Doutora e Mestra em Educação. Pedagoga