A obra organizada por Fernando Jorge dos Santos farias, Israel Fonseca Araújo e Marinaldo Pantoja Pinheiro, Educação, História e Linguagens: polivalência de saberes na contemporaneidade, aborda três grandes campos que são muito caros para a cientificidade brasileira. No que concerne às discussões culturais, pesquisas na área da educação, história e linguagens tem mostrado um universo de saberes que estão, não só no presente, mas também no passado, nas instituições, nas florestas, nas rodas de conversas, nos terreiros, entre outros espaços que por muito tempo ficaram à margem da história humana.
Nesse sentido, esta obra tem muito a nos dizer, além de nos preparar para um debate onde Educação, História e Linguagens estejam agindo em sinergia, compreendendo que a condição humana vai além de dados e modelos prontos de ciência, pois está em constante mudança, a todo momento, também nos permite entender que as culturas que fazem parte da vida humana, se tornam matéria de análise e de discussão desses campos, construindo assim novos conhecimentos.
Sendo assim, passarei discutir um pouco desta produção enriquecedora. Na Parte 1, Educação, temos 11 capítulos que vão discutir não só as educações que ocorrem nas instituições escolares, mas também as que ocorrem em outros espaços de saberes.
No artigo Os grupos escolares paraenses nas teses e dissertações dos Programas de Pós-graduação em Educação, de Marcelo Leandro Neres e Renato Pinheiro da Costa, os autores fazem um estado do conhecimento afim de estimular discussões dentro da história da educação sobre o tema dos grupos escolares. Essas instituições foram muito importantes para o desenvolvimento do estado do Pará durante o período da primeira república, fomentando pesquisas a nível nacional. O Pará se engajou nesse processo educativo e os autores demonstram isso de maneira insigne.
Já no texto Ouvir Os Gritos Das Crianças E Das Mulheres – Experiências Do Clube De Mães Na Transamazônica E Xingu (Década De 1970), a autora Léia Gonçalves de Freitas analisa o “Clube das Mães”, que foi um movimento político vivido na década de 70 que lutava por direitos básicos como educação, atendimento, assistência e proteção às mulheres e crianças. A autora traz um espaço outro, onde ecoava processos educativos no meio social e político através de oficinas, artesanatos e afazeres domésticos.
Em A arte educação na inclusão de crianças com autismo na escola regular: um estado da arte, as autoras Roseli Nunes Barros e Roseane Rabelo Souza Farias, fazem um estudo bibliográfico acerca da forma que a Arte Educação acontece com as crianças que tem Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Arte educação é uma disciplina do curso de pedagogia da Universidade Federal do Pará – Campus de Altamira, que propicia o trabalho pedagógico através da criatividade, ludicidade e sensibilidade.
No trabalho A inclusão do aluno com transtornos funcionais específicos: uma análise a partir de um estado da arte, de Sâmeque Albuquerque de Sousa Pereira e Roseane Rabelo de Souza Farias fazem uma análise de produções teóricas sobre a inclusão de crianças com Transtorno Funcionais Específicos (TFE) no ambiente da escola, afim de observar como esse tema, relativamente novo, tem sido discutido na ciência brasileira, tanto teoricamente quanto metodologicamente.
Já no artigo Singularidades e Convergências entre o Atendimento Educacional Especializado e a sala de aula regular, os autores (as) Bruno Lima Silva, Carolline Septimio Limeira e Letícia Carneiro da Conceição, buscam com seu trabalho realizar um diálogo entre didática e educação na perspectiva da educação inclusiva, observando em salas de aula regular e do AEE do município de Bragança-PA, pontos importantes como a vivencia dos docentes e a problematização de uma prática educativa padronizada nos diversos processos educacionais.
No trabalho Perspectivas sobre Inclusão e Acessibilidade enquanto Direito Fundamental, os autores (as) Bruno Lima Silva, Carolline Septimio Limeira, Lucas Stefano da Costa Amorim fazem um estudo para compreender quais perspectivas a acessibilidade tem sido discutida na ciência brasileira. Sendo assim, eles analisam as produções no âmbito da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), do Congresso Brasileiro de Educação Especial (CBEE) e na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações da CAPES.
No texto Prática Docente: Reflexões acerca da experiência de integração entre letramento e alfabetização no ensino fundamental, de Elen Cristina Farias Salame, Crisolita G. dos Santos Costa, as autoras foram a uma escola municipal de Abaetetuba-PA, analisar as práticas e vivências de alunos e professores da instituição para assim refletir acerca do letramento e da alfabetização no ensino fundamental daquela localidade.
No artigo Promovendo Alfabetização e Letramento através do Programa Residência Pedagógica em Contextos Amazônicos, Ana Linda Dias Pantoja e Crisolita Gonçalves dos Santos Costa analisam experiências de alfabetização e letramento vivenciadas no âmbito do Programa de Residência Pedagógica em uma escola em Abaetetuba, considerando esse espaço propicio para desenvolver saberes pedagógicos de graduandos de pedagogia.
Na produção Educação multisseriada na Amazônia Paraense: Isolamento social pandêmico e o retorno às aulas presenciais de Alinne Marcely Saldanha de Jesus, Flávia Amanda Lima Junqueira Franco, Mailson Lima Nazaré, analisaram a adaptação da educação em uma turma multisseriada durante a pandemia de COVID-19 em uma comunidade rural de Colares-PA.
No texto Arrecadação Municipal e Educação Pública: O Exemplo do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), em Igarapé-Miri (PA), de José Moraes Quaresma e Israel Fonseca Araújo, os autores buscam analisar a relação entre a arrecadação municipal de impostos, via IPTU, e a conquista de direitos como o da educação pública e como isso se desenrola de maneira eficiente através das práticas do governo municipal no que diz respeito ao campo educacional.
Em Desafios e Potencialidades da Educação do Campo Integrada ao Saber Territorial em Escolas Ribeirinhas do Município de Igarapé-Miri/PA, as autoras Francilene Farias Valente Araújo, Francileide Valente Dória e Francinete Farias Valente buscam investigar quais desafios e potencialidades da educação no campo contribuem para a integração dos saberes territoriais em escolas ribeirinhas da cidade de Igarapé-Miri-PA, compreendendo a escola como um espaço de vivência social e cultural dos sujeitos.
Na Parte 2, História, temos 4 capítulos que vão analisar objetos muito distintos que trazem questões sociais muito importantes, como a migração, a prostituição, o complexo furto de energia elétrica e as vivências do trabalho em feiras e mercados.
Em Fluxos Migratórios na Amazônia: questões presentes no romance Chão dos Lobos, de Dalcídio Jurandir, Ana Paula Costa de Souza e Fernando Farias analisam a obra Chão dos Lobos, compreendo-a como uma representação de força política, social, linguística e histórica. Na obra eles analisam o fluxo migratório na região amazônica, observando nesse processo, as características dos sujeitos.
Já no texto A Prostituição durante a Construção da UHE Tucuruí: O sexo como parte fundamental do entretenimento para os Camargueiros, de Augusto César Pinto Figueiredo, o autor traz uma análise de seis meses de estudos sobre a prostituição em Tucuruí-PA e mais quatro meses de pesquisa de campo, com o intuito de demonstrar o quanto que este trabalho faz parte de uma máquina social a muito enraizada na sociedade, ou como o autor aponta, um “Mal” imprescindível para a circulação monetária e de entretenimento.
No artigo Massacre dos “Gatos”: um estudo sobre o furto de energia elétrica em Igarapé-Miri, Pará (2020-2022), Elvis Nunes Corrêa e Marinaldo Pantoja Pinheiro tem por objetivo analisar quais motivos que poderiam ter levado a um crescimento dos “gatos”, ou seja, furto de energia elétrica no município de Igarapé-Miri-PA. Estudos como este permitem compreender um pouco da cultura local, visto que como os próprios autores apontam, os “gatos” estavam na casa dos pobres, dos ricos, dos católicos, evangélicos e ateus, garantindo economia no valor da energia.
No texto Saberes e fazeres: Vivências no complexo de feiras e mercado em Igarapé-Miri/PA, a autora Tatiane do Socorro Correa Teixeira da Silva, a autora enfatiza a importância de propiciar espaços de diálogo e de voz para pessoas que ainda se encontram nas margens dos estudos históricos culturais, como o caso de feirantes, vendedores ambulantes, mercadores, entre outros, procurando apresentar uma Igarapé-Miri através do cotidiano desses múltiplos sujeitos.
Por fim, na Parte 3, Linguagens, os textos convergem em apresentar diferentes aspectos das linguagens através dos discursos, memórias, literatura, disciplinas escolares, línguas ancestrais e outros.
Iniciando a parte 3, temos o texto de Auxiliador Jairo de Sousa, intitulado “Acabou o Recreio”: Análise dialógica do discurso sobre o retorno das aulas pós pandemia do novo coronavírus. Neste texto o autor analisa uma postagem de facebook que repercutiu no jornal televisivo da Tv Liberal, vinculada à Rede Globo, que acabou gerando grande polêmica na cidade de Altamira-PA.
No texto A Negação como Estratégia Discursiva na Construção de Condutas de Governo e Subjetivação, de Francisco Menezes da Silva e Silvia Mara de Melo, analisa com primor através do discurso o uso da negação como forma de construir condutas governamentais. É importante destacar que esse discurso gera outros tantos discursos, em sujeitos diversos da sociedade, permitindo assim compreender que a conduta de um sujeito pode desencadear uma séria de outras condutas em cunho social, cultural e político da sociedade em si.
No texto Brás Cubas: aspectos de interlocução nas obras literárias e cinematográfica, dos autores Edmon Neto de Oliveira e Mateus de Macena Sousa, é analisado a partir de uma obra de Machado de Assis com se dá a interlocução entre literatura e cinema, observando esse processo dinâmico e complexo da linguística.
No artigo Variação da Língua: a reprodução dos fenômenos linguísticos em Língua Portuguesa no município de Igarapé-Miri, Sônia Maria Corrêa do Amaral analisa as variações linguísticas de sujeitos moradores de Igarapé-Miri, ou seja, ela se detém a as diferentes formas de falar de uma mesma língua portuguesa, levando em consideração fatores que podem influenciar nessa fala.
Já no artigo A Escola Wararaawa Asurini e a Manutenção da Língua Ancestral Asurini do Tocantins, de Adriana Paiva de Moura e Juliana Araújo de Oliveira, as autoras analisam as práticas que os Asurini utilizam para revitalizar e preservar a sua língua materna, após anos de exploração e de mudanças devido a “modernização” da região.
No texto Sinais termos em Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS: Propostas para a Arte Marcial Jíu-Jitsu, os autores Daniel Alef Oliveira Moura dos Santos e Ozivan Perdigão Santos apontam que as pesquisas sobre sinais-temos no são recentes no Brasil e nesse sentido, analisam como se dá o uso da Língua de Sinais na pratica de esportes com pessoas surdas, tendo como esporte para debate no artigo o Jiu-Jitsu.
Na reta final desta obra, temos o trabalho Argumentação em pesquisa de Direito, da autora Elaine Maria Gomes de Abrantes, que discute o uso da argumentação, ramo da linguística, como uma metodologia em pesquisas da área do Direito. Nesse sentido, a autora aponta que não há pesquisas sem a “defesa de ideias”, sendo este um ponto central em qualquer debate, ao meu ver seja ele de cunho científico ou empírico.
Diante de tantos trabalhos enriquecedores, faço um convite a leitura aprofundada dos artigos dessa ilustre obra, que despertam para muitos campos ainda carentes de pesquisas, principalmente na região amazônica. Outros que já estão fortificados e que continuam se expandido para novos horizontes e novas óticas e formas de se pesquisar.
Deleitem-se nessas importantes análises, que trazem objetos do nosso dia a dia, dialogando com uma diversidade de autores e autoras do cenário cientifico brasileiro, mas também do mundo, convergindo para a expansão da cientificidade na região norte do Brasil.
Mário Allan da Silva Lopes
Doutor em Educação pela Universidade do Estado do Pará (UEPA),
Pesquisador do Grupo de Pesquisa Historia da Educação na Amazônia,
Atua Como Professor do Ensino Fundamental da SEMEC (Belém) e
Tutor pela UAB/UEPA