A convivência com o público jovem dentro da Pastoral da Juventude (Igreja Católica – Paróquia de Sant’Ana/Diocese de Cametá) me possibilitou, desde a adolescência, profundo contato com as discussões e problematizações sobre os desafios enfrentados por esse segmento. Essas vivências foram aprimoradas ainda mais com a experiência de mais de uma década de atuação profissional no Magistério da rede pública estadual como professor no Ensino Médio (Escolas: Enedina Sampaio Melo e Professora Dalila Afonso Cunha – Regular e EJA 2008-2020), despertando-me, assim, grande interesse em compreender melhor as realidades relacionadas à juventude.
Durante os citados anos, sempre me foram comuns em intervalos de atividades em sala de aula, relatos sobre histórias de vida de jovens, cujo enfrentamento de problemas desafiadores (pobreza, violência, dificuldade de acesso ao mercado de trabalho, situações familiares, dentre outros) constituiu repertórios constantes em suas trajetórias de vidas.
Por outro lado, na contramão dos desafios, foram, também, frequentes as narrativas de superação de alunos que depois de dez, quinze, vinte anos de estudos interrompidos voltaram a ocupar um “banco de escola”, recuperando, assim, o direito de voltar a sonhar com melhores perspectivas de futuro.
Dialogando com diversos autores que debatem o tema da juventude nos tempos atuais, é possível perceber que os desafios sociais enfrentados pelo público jovem no Brasil estão diretamente relacionados ao alto nível de desigualdade existente no país, o que tem, ao longo de décadas, contribuído para a manutenção de privilégios para uns, e para outros a exclusão social e a perpetuação da pobreza.
Quando vamos tratar das realidades e dificuldades sociais no Município de Igarapé-Miri, iremos entender o papel que a educação exerce na vida dos jovens, o que nos faz perceber que mesmo em meio às dificuldades, há exemplos de jovens que após conseguirem driblar as adversidades impostas pelo sistema, chegam até a escola e recuperam parte dos direitos, como o de sonhar com o futuro melhor para suas famílias.
Foram nesses contextos que em sala de aula[1] pude encontrar jovens estudantes oriundos do Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Modalidade: PROJOVEM Urbano). Sendo que foi através desse programa que tais jovens conseguiram chegar à conclusão do ensino fundamental, conquistando assim, o direito de cursar o Ensino Médio.
Dialogando com alunos de várias turmas, pude testemunhar importantes relatos de persistência e superação de muitos desses jovens, o que me provocou a buscar entender melhor as contribuições desse programa na vida dos jovens no município.
Anos depois, tive o privilégio de acompanhar vários desses jovens desenvolvendo diversas atividades profissionais, e inclusive pude testemunhar alguns desses, ingressando no ensino superior.
Esses fatos somados me motivaram à formulação do projeto de pesquisa para o curso de Mestrado em Políticas Públicas, ofertado através da parceria Fundação Perseu Abramo e Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais – FLACSO, e assim, poder “mergulhar” melhor nesse debate sobre o papel das políticas públicas na vida da juventude.
Sendo assim, não tive dúvida da necessidade da pesquisa sobre a experiência do PROJOVEM Urbano como objeto de pesquisa para a construção desta dissertação. É nesse sentido que o presente estudo buscou discutir as principais repercussões desse programa na vida dos egressos.
Em um momento em que diversos debates envolvendo o público jovem têm estado muito pr
sente na grande mídia, tem sido também comum a propagação do discurso da criminalização da juventude e a construção do estigma atribuído ao jovem como problema social urbano.
Nesse sentido, o argumento sobre a redução da maioridade penal tem sido amplamente defendido por diversas lideranças políticas influentes com proposta de solução para o problema da segurança pública.
Essa discussão, no entanto, não é simples como se propõe nos discursos políticos em questão. É preciso, assim, buscar as raízes do problema da violência no Brasil e as deficiências no Estado no que diz respeito à promoção de políticas públicas para a juventude.
Segundo o Documento n. 85 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil[2] (CNBB, 2007), são vários os problemas enfrentados pela juventude no contexto atual como, por exemplo: desigualdades de renda; o acesso restrito à educação de qualidade e frágeis condições para permanência na escola; o desemprego e a inserção no mercado de trabalho; o envolvimento com as drogas; a gravidez na adolescência; a AIDS; as mortes por causas externas (homicídios, acidentes de trânsito e suicídios); o limitado acesso às atividades esportivas, de diversão, culturais e a exclusão digital, entre outros.
Há no Município de Igarapé-Miri fatores históricos certamente que nos ajudam compreender um pouco a realidade em questão. Podemos citar, como exemplo, o processo de urbanização desigual da Cidade de Igarapé-Miri, cuja aceleração se deu a partir do êxodo rural ocorrido no município. Esse percurso se deu após a falência dos engenhos de cana-de-açúcar na década de 1970, conforme veremos no decorrer deste trabalho.
É certo que o Município de Igarapé-Miri experimentou muitas transformações ao longo desses últimos anos, onde após o período de grandes dificuldades do ponto de vista econômico, novas perspectivas de desenvolvimento foram criadas. Dentre os fatores que contribuíram para tais melhorias, destacamos a organização dos movimentos sociais com os projetos de manejo da produção de açaí (ARAÚJO, 2018, p. 98).
Entretanto, a vida urbana manteve-se com sérios problemas no que diz respeito à falta de perspectivas para famílias de classes populares, onde em nível local observamos poucos esforços voltados para inclusão social de famílias em situação de vulnerabilidade econômica/social. Sendo assim, a juventude foi um dos seguimentos mais afetados pela ausência de políticas públicas urbanas, o que acreditamos ter contribuído para o aumento dos problemas sociais.
É certo que essa desigualdade social, característica própria da estrutura urbana capitalista também será explicada no Brasil pelo modelo perverso de produção baseada na mão de obra escrava, que embora após a abolição[3] ocorrida em 13 de maio de 1888, se perpetuará como “cultura” e prática na contratação de tarefas consideradas inferiores ou indignas, conforme veremos na citação de Souza J (2018), o qual argumenta que:
Aos abandonados e esquecidos restam as tarefas desqualificadas, típicas da ralé. Estas, em grande medida, como no caso do trabalho doméstico, serão uma continuidade do escravismo, agora sob novas máscaras. A exploração direta da energia muscular – que mal nos distingue de um cavalo ou de uma mula–, com pouco conhecimento incorporado, é a característica distintiva, ainda que não a única, em relação aos trabalhadores com maior grau de qualificação técnica. (SOUZA J, 2018, p. 74).
A citação de Souza J (2018) reitera o processo de desigualdade no Brasil e chama atenção específica para a desigualdade racial, destacando os motivos que contribuem para a sua manutenção.
É certo que na primeira década dos anos 2000, com a ascensão dos governos progressistas de Lula e Dilma (2002-2016), a pauta sobre a desigualdade social no Brasil ganhou mais espaço das agendas governamentais. Isso ficou evidente na criação de diversos programas e projetos voltados para áreas sociais, com objetivos de corrigir injustiças e promover inclusão social. Sendo que foi neste contexto que o país passou a elaborar uma política específica voltada para o segmento juventude.
Após uma década de implantação de programas da Política Nacional da Juventude, já há, em diversos estados e municípios brasileiros, estudos buscando entender os efeitos dessas políticas na vida dos jovens brasileiros.
Esta obra contém os resultados de investigação sobre as repercussões do PROGRAMA PROJOVEM URBANO, executado entre os anos de 2009 e 2010 nas escolas municipais Aristóteles Emiliano de Castro e Marilda Nunes, ambas na Zona Urbana/Igarapé-Miri, lócus da nossa pesquisa.
Espero que este trabalho possa contribuir você leitor, ampliando possibilidades de compreensão sobre a relação: juventude, cidade e políticas públicas.
A todos (as) uma excelente leitura!
O autor
[1] Nesse caso devo ressaltar que foi na Escola Estadual de Ensino Médio Enedina Sampaio Melo, localizada na sede do município, que tive os primeiros contatos com alunos oriundos do PROJOVEM Urbano.
[2] A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil é uma instituição permanente que reúne os bispos da Igreja Católica no país. Além de suas atribuições eclesiais, a instituição tem exercido papel social importante, inclusive com posicionamentos diante de temas relevantes.
[3] Diversos autores, entre eles SOUZA J (2018), concordam que a abolição foi um processo que na prática não ocorreu de maneira plena. Sendo assim, a escravidão mesmo que em perspectivas diferentes, se manteve ao longo dos anos no país.
SOBRE O AUTOR
ANTONIO MARCOS QUARESMA FERREIRA, é professor, filósofo/poeta miriense. Nascido aos 24 de março de 1980 na localidade de Mamangalzinho. Cresceu no seio das comunidades eclesiais de base onde atuou como coordenador de grupo na Pastoral da Juventude (PJ). Cursou Filosofia Natural pela Organização Internacional Nova Acrópole. Graduou-se em Filosofia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). É especialista em Educação, Diversidade e Inclusão Social pela Universidade Católica Dom Bosco – UCDB (MT) e mestre em Políticas Públicas pela Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais – FLACSO/Parceria Fundação Perseu Abramo. É professor do Ensino Médio na rede estadual (SEDUC/PA) desde 2008, como lotação atual nas Escolas Dalila Afonso Cunha (em Vila Maiauatá) e Enedina Sampaio Melo (na sede do município). Atuou também com o professor de cursinho com passagens em várias escolas particulares de Belém entre elas Escola Cearense. Atualmente coordena o Polo Universitário UAB Igarapé-Miri/PA. Possui diversas publicações literárias e acadêmicas a exemplo de: CAMINHOS DI-VERSOS, 300 ANOS DE FÉ E TRADIÇÃO NA TERRA DE SANT’ANA (parceria com sua esposa Vanilza Ferreira); “CONTRASTES, poemas que nascem na Amazônia” (parceria com o poeta Israel Araújo). Participou como organizador da obra “ESCRITOS EM VERSOS EM PROSA: 1ª Antologia Miriense de poema, contos e lendas”. Também participou da coletânea “EDUCAÇÃO DO CAMPO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E SOCIEDADE (com artigo “Sobre sentido da Política em Hannah Arendt”) e das antologias “DIVERSIDADES” e “ITINERÁRIOS” (da Academia Igarapemirinse de Letras). É o atual presidente do Instituto Caboclo da Amazônia. Participou do POMAR (Entidade literária – Poetas de Marituba, PA) e da ASSOCIAÇÃO ARTÍSTICA ANANIN (Ananindeua, PA). Foi representante da região da II Conferência Nacional de Cultura ,2010, Brasília. Foi um dos articuladores na criação do COMCIM – Conselho Municipal de Cultura de Igarapé-Miri. É membro da Academia Igarapemiriense de Letras, da Academia Miriense de Cordel e da Academia Paraense de Literatura de Cordel, ocupando a cadeira de número 19, tendo como patrono o poeta Alberto Porfírio da Silva. É militante político filiado ao partido dos Trabalhadores e em 2016 foi candidato a vice-prefeito no município de Igarapé-Miri.
Contato para aquisição de exemplares:
Professor Antonio Marcos Marcos <[email protected]>