Este livro é fruto de anos de reflexões acerca da precária infraestrutura ofertada ao ensino público estadual e municipal na Amazônia paraense em que pese o ensino ofertado a localidades distantes da região metropolitana de Belém, em áreas rurais. Nesta obra, destacaremos as estratégias sociais adotadas por alunos oriundos de comunidades do interior do Estado do Pará para lhes possibilitar o acesso e permanência dentro da rede regular de ensino.
Ao longo da atuação enquanto professora, consultora técnica, geógrafa e pesquisadora sobre o ensino na região, foi possível perceber que uma rede de solidariedade e reciprocidade é formada a partir da precária infraestrutura de ensino na região, que permite a superação de barreiras materiais (ausência de sala aula, falta de materiais, conteúdos distantes das realidades dos alunos, alunos que são mão de obra familiar, particularidades do ciclos hidrológicos) e imateriais (primeira geração na escola, analfabetismo dos pais, fata de tradição escolar) que circundam o cotidiano destes alunos.
Tais precariedades eram invisibilizadas por políticas públicas universalizantes que, longe de incorporar as particularidades vivenciadas na região amazônica, aumentavam o fosso regional do conhecimento, com exigências e métodos que não dialogam com as peculiaridades climáticas, sociais, religiosas, ecológicas e culturais que permeiam a rede de ensino regular local, prejudicando a formação dos alunos com dificuldades de escrita, interpretação de texto e operações matemáticas básicas, evadiam-se das escolas para dedicar-se ao trabalho, pois tratam-se de importantes componentes de mão de obra familiar.
Como será evidenciado ao longo dos trabalhos, a evasão escolar diminui quando uma série de estratégias sociais de reciprocidade passam a constituir parte do cotidiano dos alunos que a partir de redes de solidariedade estilo dádiva se sentem estimulados, seguros e percebem que há sentido em dedicar-se à escola e frequentá-la, mesmo que seja para obter o bolsa família ou programas de permanência para a formação acadêmica.
Desta forma, tais estratégias e articulações sociais arquitetadas para mediar o êxito na educação básica e superior precisam ser evidenciadas como forma de denúncia desta precarização estrutural e invisibilização da atuação de uma série de sujeito sociais imprescindíveis para o funcionamento do ensino na região. Esses sujeitos tratam-se, sobretudo, de alunos, pais, professores, coordenação pedagógica e comunidade, que trabalham em uníssono para reduzir as dificuldades vivenciadas por esses alunos, facilitando, estimulando e construindo os laços e nós que ascendem às luzes do ensino e permitem que estas luzes permaneçam acesas para além das salas de aula.
Esta coletânea traz a perspectiva de alunos oriundos de diversas localidades do interior do Estado do Pará e evidencia as dificuldades que estes enfrentaram e ainda enfrentam para acessar uma educação básica e superior de qualidade, qualificando e requalificando suas dificuldades de modo a superá-las por meio de laços e nós que ora se expandem, ora recuam, ora machucam, mas nunca se desfazem.
Suas múltiplas vozes ecoam e merecem ser ouvidas para que se pense em uma educação para a Amazônia e, não, se implanta na Amazônia uma educação que não forma o aluno para o lugar em que vive e não lhe oportuniza dignidade e o pleno exercício de sua cidadania.
Os capítulos destacarão parte das trajetórias pessoais dos alunos, dialogando com referencial teórico e conceitual que consubstanciem suas estratégias de permanência nas escolas, destacando os agentes sociais imprescindíveis para a sua formação, tendo, em alguns casos, um olhar etnográfico sobre suas trajetórias.
A organização desta coletânea foi pensada a partir de particularidades inerentes a cada localidade aqui representada, tendo como parâmetro aspectos sociais e culturais peculiares que representam mitos, causos e lendas locais, inteligíveis apenas para os sujeitos desta região e que a partir de suas narrativas serão traduzidas e compreendidas para além do lugar (assim se espera!). As nomenclaturas dadas aos capítulos representam aspectos singulares encontrados nas localidades evidenciadas em cada capítulo, permitindo ao leitor submergir no universo peculiar de onde os alunos expõem seus percursos e percalços dentro da educação básica e superior.
Pretendemos construir uma educação plural e multifacetada para a Amazônia, valorizando e evidenciando todas as redes necessárias para a construção do ensino na Região que represente os amazônidas e a nossa rica sociobiodiversidade, dialogando com a complexidade de um mundo sem subsumir e fagocitar nossos saberes e práticas. Uma educação de qualidade, para nós, se faz a partir da dialógica e transdisciplinaridade posta dentro do Complexus e de todas as nuances entrópicas e neguentrópicas que influenciam e compõem as diversas realidades dos estudantes. Boa Leitura!
A organizadora.
SOBRE A ORGANIZADORA
Mariana Neves Cruz Mello possui graduação em Geografia pela Universidade Federal do Pará (2010), mestrado em Geografia pela Universidade Federal do Pará (2013) e doutorado em Ecologia Aquática e Pesca pela Universidade Federal do Pará (2017). Atuou como professora de geografia da Universidade do Estado do Pará, Especialista ecóloga – Agroflora Projetos e Consultoria LTDA, Assistente ambiental – ICNM Consultoria e Projetos. Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em Geografia Humana e Ensino de Geografia, experiência em Ecologia Política em trabalhos com populações tradicionais.