“O livro pode valer pelo muito que nele não deveu caber.” [1]
O Grupo de Pesquisa e Extensão LEIA (Leitura, Escrita, Identidade e Artes) atua, principalmente, nos cursos de Letras e Pedagogia do Centro de Formação de Professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e se volta para a investigação e a criação de ações relacionadas à articulação entre leitura e escrita, conjugando uma abordagem que reflita sobre a importância da arte para a formação identitária e como possibilidade de fruição estética.
Nesse sentido, esta coletânea de artigos é o resultado do trabalho de pesquisa acerca dos temas que despertaram o interesse, inicialmente, dos graduandos de ambos os cursos, em conformidade com as questões contempladas pelas seguintes linhas de pesquisa do GPE LEIA: “Leitura, Literatura e Direitos Humanos” e “Literatura e Identidades Inventadas”. A primeira linha se propõe a ler e discutir a literatura, enfatizando a questão da elaboração de sentidos, articulando forma e conteúdo para uma apreciação plena do texto literário, assim como a fruição do texto literário como agente humanizador. A segunda linha busca estudar as características e contextos culturais de personagens nas literaturas, reconhecendo as especificidades das questões de gênero e étnico-raciais.
Por conseguinte, o caráter duplo da coletânea se dá tanto pelas especificidades dos cursos nos quais as organizadoras atuam, quanto pelos temas analisados pelos estudantes e abarcados pelas linhas de pesquisa, o que redundou em duas partes para a publicação. Há de se contextualizar, portanto, a materialização dos trabalhos que integram a obra que, em sua maioria, apresentam resultados de trabalhos de conclusão de curso de graduação. Em se tratando do curso de Pedagogia, os textos foram elaborados no formato de monografia e reconfigurados para apresentarem, de modo sucinto, os resultados das pesquisas desenvolvidas. Dois dos textos (capítulos Dois e Sete) são frutos do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) e contou com o financiamento da UFRB e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
A primeira parte — “Leituras, Literatura e Letramentos” — discute e propõe reflexões sobre o ensino da língua, da leitura, do letramento e da literatura no ensino fundamental, tanto no âmbito da sala de aula, como no campo da formação de professores. Destacamos o protagonismo docente em seus diversos contextos de atuação e as suas percepções sobre as práticas pedagógicas e sobre seu papel na formação dos estudantes. Reunimos assim estudos sobre as variantes linguísticas em diálogo com o ensino da língua portuguesa; a relevância do debate sobre o letramento literário no âmbito do curso de licenciatura em pedagogia; a importância do alfabetizar-letrando inserido no cotidiano das escolas e discussões sobre o potencial do trabalho com a literatura infantil nas escolas. Ressalta-se, no entanto, que os textos trouxeram discussões dentro do campo teórico e empírico contemporâneo, mas sem enfocar os direcionamentos curriculares apresentados na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), considerando, especialmente, o período e contexto em que foram produzidos.
A segunda parte intitulada “Mulheres de papel: estudo das representações do feminino na literatura brasileira” destaca, como centro de interesse dos estudantes do curso de Letras, a análise de personagens femininas dentro da literatura brasileira, abarcando obras publicadas desde o século XIX até o século XXI. O protagonismo feminino é o que une as obras em prosa tão diferentes e distantes no tempo e espaço.
As “mulheres de papel” ajudam a repensar o papel da mulher em diferentes momentos históricos e a compreender questões que ainda marcam o feminino nos dias atuais. Passamos, assim, pelo feminismo possível do século XIX, com o casamento ainda como o principal papel social da mulher, até a assunção de outras atribuições, como a luta trabalhista e política na década de 1930. O corpo feminino e o desejo são colocados em cena na década de 1970, numa ruptura com os padrões patriarcais que são questionados pelo movimento feminista. Na reconstrução memorialista de início do século XXI, a mulher se evade das relações abusivas e preconceituosas, buscando dar livre curso a seus sentimentos e desejos.
Gostaríamos de agradecer a todos que tornaram possível esta publicação. Aos estudantes que aceitaram o convite para que as leituras iniciais se expandissem e ganhassem a forma de artigo. À Ana Luz pela revisão cuidadosa da primeira versão desta publicação. Aos professores que participaram das bancas em que, eventualmente, alguns desses textos tiveram sua primeira versão apresentada: Prof.ª Ângela Vilma Santos Bispo, Prof. Fernando Henrique Tisque dos Santos, Prof.ª Lúcia Gracia Ferreira, Prof.ª. Maria Eurácia Barreto de Andrade, Prof. Ricardo Henrique Resende de Andrade, Prof.ª Sirlândia Reis de Oliveira Teixeira, Prof. Tarcísio Fernandes Cordeiro. À Prof.ª Lícia Maria Freire Beltrão (UFBA) pela avaliação dos originais e a contribuição generosa com estes exercícios de leitura.
Por fim, esperamos que o futuro leitor possa se beneficiar destes exercícios críticos e que eles se tornem um ponto de apoio para os estudantes de Letras e Pedagogia. Lembrando Guimarães Rosa, as iluminações do momento de leitura nem sempre conseguem se refletir na obra realizada. Mas esperamos que o muito que “não cabeu” inspire outros leitores e novas críticas. A travessia segue.
As Organizadoras.
[1] ROSA, Guimarães. Tutameia. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968, p. 12.